O Mensageiro Ecuménico

No espreguiçar da vida, bem cedo nas manhãs frias de Inverno em que as palavras congelam ao passar os lábios, interrogava-se sobre o destino da mancha de fumo que lhe saía pela boca.
Onde iriam descongelar as palavras?, desaguar as mensagens? Entenderia e atenderia a Natureza aos seus pedidos? Serviria de mensageiro ao destinatário?, como as linhas telefónicas, mas sem fios? Um sistema ecuménico de comunicação ao nível atómico?

Por isso fazia declarações de amor, formulava desejos e promessas, confessava-se, desculpava-se, e soprava ao mundo os pensamentos transformados numa poalha húmida e leve, como o náufrago que lança a epístola engarrafada à vastidão do mar. Com cautela, suspicaz, sem grandes revelações, não fosse o discurso transviado por ventos cruzados.

Depois indagava a relação entre os acontecimentos quotidianos e os pedidos enviados por nevoeiro de hálito matinal: aparentemente - concluiu - sem relação causal, correlação ou coincidências em número a considerar. E o sistema caiu no esquecimento.

Décadas mais tarde, numa noite fria de Dezembro, na mesma ladeira de subida íngreme que tantas vezes o levara à escola, sorriu para si: talvez restassem moléculas suspensas dessas nuvens pueris de memórias vaporizadas que, então aspiradas pelas narinas, o lembraram dessa infância feliz. E não resistiu a reactivar o sistema.

Arfando, a comer vogais às palavras, exalou um parágrafo num rasto de evaporação que por agora não assentará nestas linhas.

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