Exactidão Incógnita

Se uma resposta pode demonstrar argúcia, não menos o alcança uma pergunta [se é que não ultrapassa], pois quem pergunta deve saber - como o sabe um poeta - que ao perguntar pelo vento observa que ramos espantam os passarinhos. Sim!, que um poeta - das letras, dos pincéis, da voz, de que arte for - não existe sem amor:

pela água do céu em chuveiro,
o vento oblíquo que molha,
por um trovão passageiro
que enraíza o ar e o chão,
e um passarinho seco no ninho:
no côncavo da sua mão.

Tudo que existe é milagre aos olhos de um apaixonado pela vida, e ao poeta sobeja em vantagem a vontade de sentir cada novo verso como se estivesse a aprender a escrever; em cada novo traço como se aprendesse de novo a pintar.

Talvez seja esse o desígnio do poeta: eternamente aprendiz da vida, incessante busca de a compreender num conjunto de versos de rima oblíqua, num quadro inacabado, colorido a sépia pela saudade, ou num dedilhar de cordas presas à traqueia.

Talvez seja a rejeição da ignorância pelo fazer: porque o que faz não é ignorante, antes o é aquele que, sabendo, não faz ou não ensina a fazer. Ensinar sem forma ou - mais exactidão - sem enformar. Ensinar a aprender: aprender a ser singular naquilo que se faz, que o que se faz torna-se único quando se encontra com o que se é, e só caminhando por erva fresca, pouco pisada, deixamos marcas do nosso caminho.

E não esquecer nunca a preguiça - oh!, que pressa tinha de morrer quem inventou o tempo. Um ócio nunca é suficientemente longo para consultar o batalhão de letras e perguntar ao dicionário: quanto de amizade há no amor?

São essas incógnitas que colocamos à distância da nossa ignorância para saber exactamente que arte é esta de viver - como se a exactidão fosse uma virtude a olhos outros que não aos que a si mesmo se enganam.


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[O texto é um arranjo de uma reposta, por escrito, a uma entrevista para um cargo - que se deveria inspirar em Mário Quintana; a fotografia foi tirada na Sé de Viseu, obra intitulada "Rosto/The Face", Rogério Timóteo @ Sé de Viseu, 02 de Maio de 2016]

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