A Mansarda Jangada

Nunca se subia ao último andar que, de inabitado, tinha perdido o nome próprio.

Espaço vazio e lúgubre, uma sombra como condómino, por ser mesquinho ganhou identidade com pouca mobília e tornou-se gasalhoso à luz da vela, como se o escuro fosse um pequeno monstrinho simpático que até então só precisava de companhia.

Colonizou-se e baptizou-se com sentido de pertença. Determinou-se o nome por exclusão de partes: o sótão é espaço frequentemente invadido por pequenos primatas inconvenientes, e as águas, sendo furtadas, dariam mau nome ao negócio; decidiu-se que daí por diante seria "mansarda" por arquitectura, "jangada" pelo aspecto caranguejola da madeira que os pés pisavam, e mandou-se gravar uma plaquinha - cinzento em dourado baço - para adornar a porta: "Mansarda Jangada".

Galicismo interessante, aquele, polissémico, como que indeciso, atracado a artefacto pouco sólido e flutuante. Num primeiro julgamento talvez se confunda o nome do refúgio com a qualidade do colono que lá desembarcou. Conclusão precipitada e errónea.

Instalaram-se uma mesa simples e uma cadeira confortável perto da janela de madeira que vigiava a rua, que mais tarde haveria de pedir para ser calafetada, depois de uma borrasca vinda do Norte ter apagado a vela que do parapeito dava tons amarelados ao vidro farol, e do frio corrente se ter feito sentir nos ossos das mãos e nos joelhos ao que ali adormecera de lápis na mão e whisky no fundo do copo.

No tecto foi pendurado um candeeiro de onde saem, em repuxo, cinco ou seis jarros de vidro embutidos de lâmpadas oblongas, de cor cansada.
A vela não se extinguiu e aprendeu a conviver com a modernidade.

Sempre que entra na mansarda, o náufrago fecha a porta para dizer, escrever e mostrar ao que vai. E vai sempre ao Tempo, à Memória, e ao Silêncio.

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